É uma história de superação e conquistas, com traços autobiográficos, a que Natanael Santos conta em “Rumo”, primeiro livro do autor cigano que, a partir de Zebreira, no concelho de Idanha-a-Nova, vê preocupado a extrema-direita crescer em Portugal.
Editado em 2023, mas ainda sem lançamento oficial, “Rumo” é mais uma etapa na vida do jovem que venceu preconceitos pessoais, da sociedade e da própria comunidade.
Aos 24 anos, é licenciado em Gestão e Gestão de Recursos Humanos - área em que trabalha -, mestrando em Gestão de Empresas e já pensa no doutoramento.
“O meu objetivo a longo prazo é ser professor universitário”, contou à agência Lusa. Essa ambição insinua-se, de certa forma, em “Rumo”, onde a biografia do autor inspira a ficção. “Há claramente pontos de contacto”.
O protagonista é um rapaz de um bairro social numa cidade fictícia, baseada em Castelo Branco e em Moura, no Alentejo - onde Natanael morou antes - e que “está a tentar sair dali”. Não é dito que é cigano - “não gosto nada da vitimização” -, mas sentem-se “muitas limitações, não só físicas, mas também mentais, que ele tenta superar”.
O livro explora “a estranheza entre o indivíduo e o mundo” e é assumidamente influenciado por “O estrangeiro”, de Albert Camus.
Após o 11.º ano, deixou de estudar. “Não era normal um cigano estudar”. Os pais insistiram que voltasse à escola e hoje tem a dupla licenciatura. Mas, no processo, teve de lidar com a desconfiança da comunidade cigana: “Dentro da comunidade cigana existe muito essa barreira entre aquilo que é cigano e aquilo que não é”. Apesar da formação superior e do livro, “obviamente eu continuo a ser a mesma pessoa, com as mesmas origens”.
Em “Rumo” fala-se de filosofia, religião, preconceito ou política, sendo que o autor integra desde 2021 a Juventude Socialista (JS) de Idanha-a-Nova.
“Não basta dizermos que as coisas estão mal. Temos de dar ideias para que a situação fique melhor, não só no país, mas também aqui no meu concelho e na região”, afirmou.
Atualmente, vê com agrado outros ciganos entrarem na política ativa, para que se façam ouvir e defender as causas que lhes estão mais próximas.
“Já temos um candidato a deputado por Lisboa, que também faz parte da JS, o Israel Paródia”. Outros há, “uma maioria [em partidos] de esquerda, mas até alguns jovens no PSD e na JP [Juventude Popular]”. “É importante termos voz e participação”, reforçou.
Falar de política e de ciganos implica falar do Chega, partido que ganhou projeção pelas posições contra esta comunidade. Natanael Santos admite preocupação com o crescimento do partido de extrema-direita, “até mais do que como cigano, como português”, associando-o “aos índices de analfabetismo funcional” em Portugal, “infelizmente dos mais altos da Europa”.
“Há muito preconceito no ‘Zé’ que está na tasca do que numa pessoa com estudos”, frisa, recorrendo à experiência pessoal.
Em Portugal, “as pessoas estão muito fechadas, têm uma literacia muito baixa e vivem numa situação de crise” pelo que, quando “aparece alguém a dar muito às mãos, muito convencido, de peito para a frente, a dizer que ‘vamos fazer isto e aquilo’, isso simplifica as questões”.
Na comunidade cigana, que sofre de “um abandono escolar tão alto e um nível de iliteracia ainda maior do que o da sociedade em geral”, o Chega “encontrou o bode expiatório perfeito”, diz Natanael, que compara os métodos do líder do partido, André Ventura, aos de Donald Trump ou Javier Milei, ecoando a análise de múltiplos politólogos.
O crescimento da extrema-direita, antecipa, “vai ser mau não apenas para um grupo específico de pessoas, mas para todos”, recordando “o exemplo de Bolsonaro”, com “o desastre ambiental que causou” e “o desastre social do Brasil, com mais de 30 milhões de pessoas em pobreza extrema”.
Como contraponto, o “Rumo” de Natanael Santos deixa “uma mensagem de ânimo e de que é preciso ‘chutar a bola para a frente’”: “Não basta acreditar, mas não vale a pena desistir. Temos é de fazer por nós, continuar em frente, mesmo que as coisas não corram exatamente como nós queremos.
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