Idanha-a-Nova: Jornal Público põe "a nú" excessos do casal Morão

A edição do jornal Público desta 3ªfeira, dia 26 de Abril, descreve a complexa situação em que alegadamente se encontra a Santa Casa da Misericórdia de Idanha-a-Nova, acusando Conceição Morão, casada com o Provedor e antigo autarca, de graves irregularidades anunciadas por este trabalho de pesquisa jornalística que põe em causa a atitude cívica do conhecido comendador Joaquim Morão Lopes Dias. 

  • Região
  • Publicado: 2022-04-28 07:23
  • Por: Diário Digital Castelo Branco

O jornalista José António Cerejo escreve que "o Núcleo de Fiscalização do Instituto da Segurança Social detectou numerosas irregularidades no funcionamento da Misericórdia de Idanha-a-Nova, pelo que propôs, em Maio de 2018, a “avaliação da manutenção dos acordos de cooperação” celebrados com a instituição - acordos esses que prevêem a atribuição anual dos subsídios de cerca de 1,2 milhões de euros que financiam a sua actividade. 

O relatório final da acção de fiscalização efectuada concluiu também que a mulher do provedor, Conceição Morão, médica anestesista reformada desde 2011, à qual a Câmara de Idanha entregou em 2014 terras destinadas a jovens agricultores , tinha recebido da instituição, no âmbito de contratos não escritos de prestação de serviços, um total de 119.690 euros (ilíquidos) só entre 2014 e Abril de 2018. Na opinião das auditoras, tais pagamentos, parte deles efectuados em 2014 e 2015, quando Conceição Morão era também membro da mesa administrativa (direcção) liderada pelo marido, violavam a lei, pelo que essa parte das suas conclusões foi remetida ao Ministério Público (MP) no Tribunal de Castelo Branco. Utentes pobres prejudicados. 

A proposta de avaliação de uma eventual suspensão ou cancelamento dos acordos de cooperação, dirigida ao Centro Distrital da Segurança Social de Castelo Branco, teve origem na “subsistência de irregularidades” já identificadas em anos anteriores nos seus equipamentos sociais e que se prendem, nomeadamente, com insuficiências do quadro de pessoal, com a existência de mais utentes do que os autorizados - o que constitui uma “infracção muito grave” - e com a “determinação das comparticipações familiares”, ou seja, das mensalidades pagas pelos utentes. 

Quanto ao cálculo das mensalidades, o relatório frisa que este “tem vindo a ser, desde sempre, um assunto recorrente de incumprimento por parte da Santa Casa (...), tendo-se constatado que as situações mantêm-se inalteráveis desde a primeira inspecção realizada em 2011”. 

Referindo-se à creche, realça que a situação “penaliza quem dispõe de rendimentos mais baixos”. Constatado foi também o facto de a entidade “não proporcionar” acções de formação aos seus trabalhadores. 

Outra irregularidade consistia na inclusão nas listas mensais de utentes do Serviço de Apoio Domiciliário (SAD) - listas com base nas quais a Segurança Social determina o subsídio a conceder - de pessoas que supostamente beneficiavam das quatro valências daquele serviço, mas que só utilizavam uma delas. Em consequência, afirmam as auditoras, só em Março de 2018 a instituição recebeu mais 5470 euros do que era devido. 

Uma situação semelhante levou recentemente a que a vice-presidente da Câmara de Idanha-a-Nova, Idalina Costa, fosse acusada pelo MP de fraude na obtenção de subsídio, quando ocupava o lugar de presidente de uma IPSS da freguesia de Ladoeiro. O processo está actualmente em julgamento em Castelo Branco. 

‘Gratificação’ DE 18 MIL EUROS 

Face ao que se passava no SAD, a directora do Núcleo de Fiscalização propôs superiormente a “implementação de um plano de reposição de comparticipações financeiras indevidamente processadas (...)”. Tal plano, acrescentou, deveria ter também em conta as comparticipações processadas “por vagas não ocupadas”. Igualmente proposta foi a instauração de processos de contra-ordenação com vista à aplicação de coimas (multas) relativas a algumas destas irregularidades. 

Quanto à contratação da mulher do provedor, o MP abriu um inquérito em 2018, tendo a Polícia Judiciária concluído que a direcção da Santa Casa, da qual Conceição Morão fazia parte, lhe atribuiu no final de 2014 uma “gratificação” de 18 mil euros como retribuição do trabalho por ela desenvolvido na gestão da casa. Uma semana depois, a mesma direcção aprovou a nomeação daquele seu membro como administradora, fixando-lhe o ordenado mensal em cerca de 1700 euros - valor máximo permitido por lei nas situações excepcionais em que as IPSS podem contratar os seus dirigentes, desde que essa contratação constitua um “manifesto benefício” para a entidade. 

Já em 2016, Conceição Morão deixou a direcção, que continuou a ser presidia pelo marido, embora permanecesse como suplente, e foi nomeada coordenadora de um novo projecto interno. Graças a esse lugar, que ocupou até ao final de 2017 em acumulação com o cargo e o salário de administradora, passou a receber mais 900 euros mensais. 

As actas das deliberações relacionadas com a aprovação de pagamentos à ainda hoje administradora não têm a sua assinatura, nem a do marido - que afirmaram à PJ não ter participado nessas deliberações, nem as ter proposto. Tal como o pároco da vila e presidente da assembleia geral da Santa Casa, a sua vice-presidente corroborou no inquérito em que mais ninguém foi ouvido o entendimento do provedor segundo o qual a contratação da mulher representou um “manifesto benefício” para a organização, onde antes exercia “voluntariado gratuito”. A própria confirmou, no auto de interrogatório por si assinado, ter declarado que “a situação económica da Santa Casa é boa graças à sua orientação e gestão”. 

Apesar destes testemunhos e por ter dúvidas “quanto à suficiência do conteúdo das actas para fundamentar o ‘manifesto benefício” resultante daqueles contratos, a procuradora responsável pela investigação entendeu que os factos eram susceptíveis de integrar os crimes de “participação económica em negócio” e de “abuso de poder”. 

Todavia, ordenou o arquivamento dos autos em Maio de 2020. Motivo? Joaquim Morão e Conceição Morão só podiam ser acusados daqueles crimes, se, enquanto responsáveis de uma IPSS, fossem considerados “funcionários”. Sobre o assunto havia entendimentos e decisões judiciais contraditórios. 

 

UM ACÓRDÃO SALVADOR

Mas três meses antes, quando o inquérito estava na fase final, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) aprovou, por 14 votos contra 4, um acórdão de fixação de jurisprudência que, a propósito de outro processo, resolveu a questão, obrigando ao arquivamento do caso. 

As IPSS — que são por definição legal “instituições de utilidade pública”, como lembrou na sua declaração de voto um dos juízes vencidos — “não devem ser consideradas ‘organismos de utilidade pública’ e, por essa via, não deve ser considerado funcionário, para efeito da lei penal, quem desempenhe ou participe no desempenho da sua actividade”, concluiu a maioria dos juízes-conselheiros, incluindo o então presidente do STJ, Joaquim Piçarra, um magistrado natural de Idanha-a-Nova. Beneficiária de mudanças nas leis, ou nas suas interpretações, já a Misericórdia local tinha sido uma década antes. Nessa altura, em Julho de 2010, adjudicou por ajuste directo uma obra de 2,4 milhões de euros à Constrope, empresa da qual Carlos Santos Silva, amigo de José Sócrates e arguido na Operação Marquês, foi um dos donos. Este ajuste directo só foi possível porque um decreto-lei de Fevereiro de 2009 (DL 31/2009) alterou uma lei que autorizava as administrações regionais de Saúde a dispensar os concursos públicos para contratarem obras integradas na Rede Nacional de Cuidados Continuados até 31 de Dezembro de 2008. Nos termos da nova lei, também as IPSS passaram a poder recorrer ao ajuste directo para aquele efeito, desde que “os procedimentos de contratação” fossem “iniciados antes de 31 de Dezembro de 2009”. Pelo menos na região centro a nova lei não beneficiou nenhuma Misericórdia, a não ser a de Idanha-a-Nova. 

Voltando às propostas do Núcleo de Fiscalização da Segurança Social, o PÚBLICO questionou o Instituto da Segurança Social, com conhecimento ao gabinete da respectiva ministra, sobre o andamento que lhe foi dado, mas, tal como sucedeu com muitas outras perguntas feitas há meses, não obteve qualquer esclarecimento.

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