A Santa Casa da Misericórdia de Idanha-a-Nova (SCMI) , é uma das mais lucrativas do género, num dos concelhos menos habitados do país, adquiriu nos últimos anos várias propriedades agrícolas do Estado, anunciou o jornal Público desta 3ªfeira, dia 26 de Abril.
O jornalista José António Cerejo escreve nesta edição que a SCMI, comprou por decisão e influência do então e ainda Provedor, Joaquim Morão Lopes Dias, comprou ao Estado em 2017, por ajuste directo, 14 hectares de boas terras de regadio. A dispensa de concurso foi possível, porque o comprador é uma pessoa colectiva de utilidade pública e a propriedade se destinava “directa e imediatamente” à realização de determinados afins. Fins esses, justificou então a Misericórdia, que consistiam no desenvolvimento de um “projecto agrícola” cujos produtos “se destinam ao autoabastecimento da instituição, que dá alimentação diária a cerca de 400 pessoas”.
Passados cinco anos ninguém lá mexeu uma palha. E até o pequeno agricultor que há 20 anos se servia do terreno para pastar as ovelhas foi forçado a deixá-lo pelo novo dono. A propriedade, denominada Fonte Insonça — um antigo campo experimental de culturas regadas do Ministério da Agricultura, que dispõe de um conjunto de edifícios de apoio, incluindo habitações degradadas, e se situa nos arredores de Idanha, distrito de Castelo Branco —, está agora mais abandonada do que nunca.
Além disso, nos arquivos da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças (DGTF), entidade que gere os imóveis do Estado, não existe qualquer projecto agrícola que legitime o ajuste directo. Nem sequer uma linha sobre aquilo que a Misericórdia lá se propunha fazer. Seja como for, a herdade foi adquirida por 81 mil euros, preço calculado a partir de uma avaliação encomendada pela própria compradora. Hoje vale três ou quatro vezes mais, graças à febre da monocultura da amendoeira e do olival superintensivo que se apoderou da região.
“Resolução” de contratos
Em resposta ao PÚBLICO, o Ministério das Finanças explicou que, quando um imóvel alienado pelo Estado por ajuste directo não é utilizado “directa e imediatamente” para os Æns previstos, “poderá haver lugar à resolução” do contrato, nada adiantando sobre o caso concreto. Questionada sobre o incumprimento da obrigação de cultivar a propriedade e sobre o “projecto agrícola” que ali pretende desenvolver, a Misericórdia, através do seu provedor, Joaquim Morão, limitou-se a dizer que o estudo “está feito e apenas aguarda financiamento para ser concretizado”. Para gerir a Fonte Insonça e mais 28 hectares de uma propriedade de sequeiro comprada a um particular por 70 mil euros (15 mil contos em 1995), já com Morão como provedor, a instituição criou em Outubro de 2017 a empresa Valperovilheiro Lda de que é única sócia e que teve a mulher do provedor, Conceição Morão, como primeira gerente. Cinco meses depois, a nova sociedade candidatou-se a um subsídio para plantar 600 oliveiras, no terreno comprado em 1995, e comprar um tractor. O subsídio, no valor de 17.693 euros, foi aprovado em 2019 pelo próprio Joaquim Morão, através da Adraces, uma associação de que era presidente e que seleccionava os projectos a financiar na região pelos fundos europeus. Em 2020, o volume de negócios da Valperovilheiro, que não registou quaisquer gastos com pessoal e teve um resultado negativo de 3564 euros, foi de 354 euros. Avaliações pelo comprador Mas o apetite pelas terras do Estado manifestado pela Misericórdia, uma organização católica de apoio aos mais necessitados, não se limitou à Fonte Insonça. Dois anos antes, em 2015, já tinha comprado à DGTF, por 119 mil euros e também por ajuste directo, 32 hectares do Cabeço Monteiro, uma propriedade com uma dezena de velhas casas localizada junto à barragem de Idanha.
Antes de a transacção se concretizar, o Estado teve, porém, de desafectar o terreno da concessão atribuída anos antes à associação local de regantes. Nesse processo, a interessada foi obrigada a justificar o seu interesse na compra. De acordo com um ofício assinado por Joaquim Morão, em Abril de 2014, o objectivo era o de ali “(...) instalar um equipamento social, tipo centro de férias, para ser utilizado pelos idosos da região (...)”. O terreno a adquirir, lê-se no documento, permitiria “realizar um serviço social a uma população longe de tudo e muito carente (...)”. Autorizada a retirada do imóvel da concessão com base neste pressuposto, a venda concretizou-se por ajuste directo, depois de autorizada por despacho da secretária de Estado do Tesouro. Tal foi possível, segundo consta da proposta que mereceu a concordância daquele membro do Governo, porque a venda seria feita a uma pessoa colectiva de utilidade pública e o imóvel se destinava a ser utilizado, tal como a Fonte Insonça, “directa e imediatamente” na realização dos Æns declarados. Uma razão acessória para a dispensa de concurso foi também o facto de o preço da venda, Æxado a partir da avaliação do mesmo director de Departamento da Câmara de Castelo Branco — da qual o provedor de Idanha tinha sido presidente até três meses antes — que avaliou a Fonte Insonça, ser inferior a 150 mil euros. Na avaliação não é valorizado o facto de parte do terreno estar classiÆcado no Plano de Ordenamento da Albufeira de Idanha, desde 2008, como “área de aptidão turística”.
O negócio turístico Entretanto, em 2017, sem que a criação do prometido “centro de férias para idosos” tenha tido qualquer seguimento, o destino da propriedade passou a ser outro. Em Julho desse ano, a Misericórdia criou a firma Cabeço Monteiro, Actividades Turísticas, Lda, de que é a única sócia e que teve como primeira gerente a mulher do provedor. Dez dias depois, a nova empresa candidatou-se a um financiamento do Turismo de Portugal para o terreno adquirido pela Misericórdia. A preparação da candidatura foi encomendada por 33 mil euros a um particular amigo do provedor, António Realinho, que dois anos antes o ajudara a conseguir uma avença mensal de 3750 euros na Câmara de Lisboa. Além dos 33 mil euros, a candidatura aos fundos do Programa Operacional do Centro incluía o pagamento ao mesmo consultor de mais 42.500 euros relativos a estudos de marketing e outros serviços. António Realinho, que mais tarde viria a ser condenado a quatro anos e meio de prisão por burla e falsiÆcação, era à época vice-presidente e director executivo da Adraces, da qual Morão foi várias vezes presidente. Quanto ao Cabeço Monteiro, o novo destino previsto na candidatura era agora a instalação de um vulgar empreendimento turístico com 25 apartamentos — empreendimento que nada tem que ver com os idosos do concelho.
Nos últimos 12 anos, o Estado apenas cedeu, por venda, seis imóveis a instituições particulares de solidariedade social (IPSS): um edifício ao Centro Social Diocesano de Santo António, de Portalegre; um edifício à CERCI (Cooperativa de Educação e Reabilitação de Cidadãos com Incapacidades) de Santiago do Cacém; dois edifícios à Misericórdia de Lisboa e duas propriedades agrícolas à Misericórdia de Idanha. Quanto à cedência de direitos de superfície a IPSS naqueles anos — os únicos cujos relatórios de actividades que a Direcção-Geral do Tesouro e Finanças publicou no seu site —, não há registo de qualquer caso.
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