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Ex-autarca de Trancoso nega ser sócio de empresário Albicastrense

O antigo autarca social-democrata Júlio Sarmento, que esteve à frente da Câmara de Trancoso durante 27 anos, até 2013, e foi agora acusado de corrupção passiva na contratação de uma parceria público-privada, é sócio, numa empresa brasileira, de um empresário de Castelo Branco, António Realinho, que está a cumprir quatro anos e meio de prisão por burla e falsificação.

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  • Publicado: 2020-06-16 00:00
  • Por: Diário Digital Castelo Branco

Segundo o jornal Público, antes de se tornar sócio de Realinho no Brasil, Sarmento já mantinha com ele negócios particulares e já o contratara em moldes irregulares, por ajuste directo e sem consulta a outros fornecedores, para prestar um pequeno serviço à Câmara de Trancoso que foi pago muito acima do seu valor. O ex-autarca admite que o valor combinado pode ser considerado excessivo, mas argumenta que ele remunerou outros trabalhos do empresário e economista além daquele que consta do contrato. Quanto ao Brasil, apesar de o PÚBLICO ter obtido uma certidão, emitida no final do mês passado pelo Governo do Estado de Pernambuco, que mostra o contrário, Sarmento garante que nunca foi sócio de qualquer empresa no Brasil.

 

Serviço feito sem encomenda?

No caso do contrato com o município, António Realinho facturou 30.750 euros em 2011, através de uma das suas empresas de consultoria, a AJNR, para preparar uma vulgar candidatura ao Programa de Desenvolvimento Rural (Proder) que permitiria à autarquia receber um subsídio de menos do dobro desse valor (cerca de 57 mil euros). Os 30.750 euros pagos por esse serviço contrastam com os 21 mil pagos pelo município à mesma empresa, no ano anterior, para elaborar o Plano de Desenvolvimento Integrado do sector agroflorestal do concelho — um documento que teria de ficcar concluído no prazo de dez dias e que, segundo Júlio Sarmento escreveu no despacho de adjudicação à AJNR, daria ao município “uma pontuação de 50% em todas as candidaturas, sejam de caminhos agrícolas, rurais ou eletrificações agrícolas”. Mas para lá desse contraste e da desproporção entre o custo da candidatura, o subsídio a obter com ela e o preço da obra a realizar (perto de 100 mil euros para requalificar uma pequena habitação destinada à instalação da chamada Casa/Oficina do Bandarra), a contratação tinha uma outra particularidade. É que o processo de candidatura, consultado pelo PÚBLICO nos serviços da autarquia, tem data de 9 de Fevereiro de 2011, dia em que foi entregue à Raia Histórica — uma associação de desenvolvimento regional presidida pelo próprio Sarmento e à qual competia a avaliação das candidaturas por delegação do Proder —, mas o contrato com Realinho só foi assinado dois meses depois, a 11 de Abril. Além disso, o convite à AJNR para apresentar a sua proposta de prestação do serviço foi assinado pelo então autarca em 28 de Fevereiro, mais de duas semanas depois de a candidatura ser entregue pelo município à Raia Histórica. E o contrato de 11 de Abril estabelecia que a candidatura entregue dois meses antes teria de ser entregue “no prazo máximo de 20 dias”.

Três em um ou serviços pro bono?

Contactado pelo PÚBLICO no ano passado, o antigo presidente da câmara respondeu: “Admito que tenha havido situações em que os prazos não batessem certo, mas isso era necessário para obter os Ænanciamentos.” Já no que toca ao preço pago a Realinho pela elaboração de uma candidatura de tão reduzida complexidade e valor, Sarmento admitiu que, de facto, seria “demasiado dinheiro” se se tratasse de uma só candidatura. “Todavia, o que sucedeu foi que o Realinho preparou comigo a estrutura de três candidaturas e foi pago apenas por uma”, garantiu. E sobre o motivo de isso ter acontecido foi claro: “Foi por uma questão de facilidade que Æzemos apenas o contrato da requaliÆcação da Casa do Bandarra, embora ele tenha trabalhado nas três candidaturas.” E concluiu: “Para o trabalho desenvolvido não me parece excessivo o preço. Parece-me relativamente adequado.” Contactado novamente, na semana passada, para esclarecer os serviços prestados pelo economista de Castelo Branco, o ex-autarca apresentou uma outra versão. AÆnal, garantiu por email, as duas candidaturas adicionais, que antes justiÆcavam o elevado preço pago, foram “oferecidas à autarquia pro bono pelo dr. Realinho”, pelo que “não houve adjudicação, nem pagamento por essas candidaturas”.

 

Candidaturas não existiram

Acerca destas, porém, nada acrescentou ao que disse no ano passado, apesar de lhe ser pedido que explicasse o objectivo de ambas. Sem entrar em pormenores, aÆrmou então que foram apresentadas pela câmara, através da associação Rede das Judiarias, ao EEA Grants, um mecanismo de Ænanciamento criado pela Noruega, a Islândia e o Liechtenstein. Onde esta versão não bate certo, independentemente de Realinho ter sido pago por conta da candidatura ao Proder ou ter oferecido o seu trabalho à autarquia, é naquela atribuição ao economista da autoria de duas candidaturas do município ao EEA Grants. Na realidade, a autarquia obteve um único apoio dessa entidade e, ao contrário das duas candidatura de que fala Sarmento, não lhe submeteu nenhuma, garante o responsável do Departamento Administrativo da Câmara de Trancoso. Conforme explicou ao PÚBLICO a coordenadora adjunta do EEA Grants, Maria João Lois, os apoios atribuídos pela organização a vários municípios para salvaguardar e divulgar a memória judaica foram tratados globalmente com a Rede das Judiarias e os contratos feitos com a Direcção-Geral de Cultura, que geriu as verbas. “Os municípios não tiveram de apresentar candidaturas”, salienta. Foi assim, através daquelas entidades, que a autarquia obteve, já em 2016, um subsídio de 99.750 euros para equipar a Casa do Bandarra com sistemas multimédia alusivos à história do sapateiro e profeta nascido em Trancoso no século XVI. A requaliÆcação do imóvel, que só foi inaugurado em 2017, tinha sido feita com o subsídio de 57 mil euros aprovado pelo Proder, mais os 44 mil que saíram dos cofres municipais. A empreitada foi adjudicada por ajuste directo e por 101 mil euros, em Maio de 2013, à empresa Floponor. Sarmento assinou o contrato em nome do município. Em representação da Floponor assinou Secundino Nascimento, um empresário local que dois meses antes se tornara sócio do então autarca e da respectiva sogra na empresa que explora o principal hotel da cidade (Hotel Turismo) e da qual Sarmento é agora sócio gerente. Quanto ao recurso a António Realinho, de quem se diz amigo há muitos anos, Sarmento tem uma explicação. “Muitas vezes nós, autarcas, trabalhávamos com pessoas que dominavam bem os fundos comunitários. Tínhamos um projecto e procurávamos essas pessoas.” Era o caso de Realinho, que, além das actividades que desenvolvia nas suas múltiplas empresas, era vice-presidente e director executivo, a tempo inteiro, da Adraces — uma associação equivalente à Raia Histórica, criada por várias câmaras socialistas do distrito de Castelo Branco, que só deixou quando foi preso no Verão de 2018 por causa de uma burla relacionada com um das suas imobiliárias. “Ele tinha muita experiência nos fundos, tinha um gabinete [a AJNR] que só tratava de projectos e eu tinha uma grande conÆança na capacidade dele”, justiÆca Sarmento.

 

“No Brasil tenho zero”

Relativamente aos seus negócios com António Realinho no Brasil, o ex-autarca responde sem qualquer hesitação: “No Brasil tenho zero!” Confrontado com várias referências que aparecem na Internet com o seu nome e o de Realinho entre os quatro sócios (dois deles brasileiros) da empresa A4 Gespar — Sociedade de Gestão e Participações Sociais, criada em 2011 no Recife, o também advogado Júlio Sarmento reagiu: “Se o meu nome está no registo, é um abuso. Nunca assinei nada, não sou formalmente sócio, nunca paguei, nem recebi.” Tudo não passou de um convite, alega depois. “Os brasileiros vieram cá falar comigo, eu e a minha mulher fomos ao Brasil com o Realinho, mas não entrei na sociedade. Pareceu-me demasiado arriscado.” Certo é que a certidão pedida pelo PÚBLICO à Junta Comercial do Estado de Pernambuco, emitida no dia 27 de mês passado, confirma que Sarmento e Realinho são sócios da empresa e que ela está em actividade. De acordo com o mesmo serviço dependente do Governo do Estado de Pernambuco, a A4 Gespar, cujo volume de negócios não foi possível apurar, participa no capital de pelo menos outras duas empresas pernambucanas: a Tecnotintas (produção de tintas e vernizes) e a Betãomix (fabrico de betão). Júlio Sarmento foi deputado à Assembleia da República no início dos anos 90 e é actualmente presidente da assembleia distrital da Guarda do PSD. Além do Hotel Turismo de Trancoso é sócio gerente de uma empresa de inspecção de automóveis. António Realinho, que o PÚBLICO tentou contactar em vão na cadeia de Castelo Branco, encontra-se em liberdade condicional por um período de 45 dias, estando obrigado a permanecer na residência, no âmbito das medidas tomadas pelo Governo para prevenir a covid-19 nas prisões.

António Realinho facturou 30.750 euros em 2011, através de uma das suas empresas de consultoria, para preparar uma vulgar candidatura ao Programa de Desenvolvimento Rural (Proder) que permitiria à autarquia receber um subsídio de menos do dobro desse valor: cerca de 57 mil euros.

 

Hotel tinha dívidas de 3,7 milhões de euros

O Hotel Turismo foi inaugurado em 2005 com 53 quartos, tendo beneficiado de avultados financiamentos do Turismo de Portugal e de um controverso subsídio da Câmara de Trancoso, no valor de 225 mil euros. Entre os sócios da empresa proprietária encontrava-se a mulher do então autarca Júlio Sarmento, mas este sempre afirmou que o apoio atribuído cumpria os requisitos do regulamento municipal aplicável. Debatendo-se com enormes dificuldades financeiras, a sociedade teve de criar uma nova empresa que passou a gerir o hotel no início de 2013. Os sócios são Júlio Sarmento, a sogra e o empresário Secundino do Nascimento. O ex-autarca assumiu a gerência e a direcção do hotel no final do mesmo ano, depois de deixar a câmara, mas, para evitar a insolvência, com mais de cinco milhões de euros de dívidas, teve de recorrer a um Processo Especial de Revitalização (PER). O principal credor era o Turismo de Portugal (3,7 milhões de euros), seguindo-se-lhe os próprios sócios (Júlio Sarmento, a sogra e Secundino) que haviam adquirido os créditos do Banco Comercial Português, com 297 mil euros cada um. No quadro do Processo Especial de Revitalização, aprovado já em 2016, a empresa conseguiu um perdão de capital em dívida de perto de 2,3 milhões de euros, comprometendo-se a pagar o restante em prestações.

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