"Em território, é o quarto maior concelho de Portugal, também um dos que mais sofre com a desertificação. Mas a velha ladainha fatalista do “interior” não colhe aqui" aunucia o Jornal Contacto,semanário luxemburguês em lingua portuguesa, editado pelo grupo editorial Saint-Paul Luxembourg S.A., ao referir que "este concelho é um exemplo de pioneirismo. Idanha-a-Nova integrou o primeiro geoparque português, da rede geoparques reconhecidos pela UNESCO. Foi a primeira Reserva da Biosfera em Portugal.
"Sendo uma vila, foi a primeira Cidade Criativa portuguesa, igualmente com a chancela da UNESCO, para área da Música. Em 2018, tornou-se na primeira Bio-região portuguesa. E no ano passado a UE elegeu-a como a melhor Bio-região da Europa. Eis como a periferia se tornou centro.
Certa vez, num encontro de municípios de todo o mundo, na universidade de Berkley (EUA), Armindo Jacinto, o presidente da CM de Idanha-a-Nova, teve de explicar, perante os gigantes de Paris ou de Madrid, a relatividade que há no conceito de formiguinha. “Idanha está a meio caminho entre Lisboa, Porto e Madrid. Temos 1417 quilómetros quadrados de território e seis habitantes por quilómetro quadrado, o que é uma densidade muito baixa de população. Idanha é 2,3 vezes maior do que Madrid e tem menos pessoas do que o museu Rainha Sofia recebe por dia, que são 10 mil”. É tão verdade isso, como isto: “Portugal é um dos países mais assimétricos do mundo, fruto das políticas públicas de há muitos anos (desde os anos 40/50, do século XX). Ainda hoje temos a ideia de que vir de Lisboa a Idanha-a-Nova é uma distância enorme. Isto é cultural. Isto é um problema cultural em Portugal”.
O interior é uma mistificação, mais ainda num país com a dimensão de Portugal, mas essa mistificação criou uma barreira que se tornou real. É bom recordar que em tempos de outrora se levava dois dias para se chegar ao Algarve partindo de Idanha e que hoje se chega lá numa questão de horas. Traduzindo: “Em termos de coesão territorial, nos últimos 50 anos Portugal cumpriu a sua obrigação. Esquecemo-nos foi da coesão económica e social. Esquecemo-nos das pessoas. Esquecemo-nos da economia. Construímos as autoestradas e lá fomos todos a correr para Lisboa”.
A verdade, nua e crua, é esta: “Desde 1950, o concelho de Idanha-a-Nova perdeu 70 por cento da sua população. Tínhamos 35 mil pessoas e passámos para oito mil”. Nos anos 60, pela ditadura, pela pobreza, pela guerra colonial, pelo surto migratório que se verificou por essa negra conjuntura, em Idanha, como em vários outros concelhos rurais do país, representou uma sangria populacional, que deixou feridas profundas nos territórios. Ficaram os desertos, onde os novos se fizeram velhos e os velhos mais velhos, e uma “percepção negativa da ruralidade, geralmente uma imagem a preto e branco”. É uma “imagem negativa que Portugal vende a si próprio”, que pelas gerações dificulta a regeneração demográfica e a atracção de novos habitantes para os territórios de baixa densidade, outro jargão cosmopolita. Esta inversão é um osso duro de roer, um processo longo, tanto que às vezes se faz passar por quimera.
A desertificação humana é a mais notória, não é a única. O abandono das terras, por óbvio, gera a desertificação produtiva dos solos e das “micro-economias” que estes congregavam. Os incêndios florestais, que hoje mais parecem uma praga pós-moderna, mais não são do que a consequência do abandono. Carpir o triste fado do abandono é uma parte do problema, zero na solução. Idanha percebeu isso há muito. E, sem medo da inovação, decidiu implementar no seu território uma estratégia de desenvolvimento e sustentabilidade a longo prazo, cujos frutos se evidenciam. “Rejeitámos esta ideia que a vida rural é uma desgraça. É, sim, uma oportunidade”.
A criação da primeira Bio-região portuguesa, devidamente reconhecida e integrada na rede internacional de bio-regiões em 2018, não foi uma coincidência, foi uma consequência. No ano passado, a União Europeia reconheceu Idanha como a melhor bio-região da Europa. “É o reconhecimento da Europa para os agricultores, produtores e comunidade que, através das suas boas práticas, em modo de produção biológico, promovem a geodiversidade e a biodiversidade, descarbonizam e regeneram os solos”. Nada disto se faz da noite para o dia, e muito menos sem capacidade de atracção de novos residentes, dos empreendedores que se fixaram no território. Idanha é hoje uma “marca” apetecida, tendo neste momento a maior área agrícola de produção biológica de Portugal. Também não vale a pena esconder o sol com a peneira. O envelhecimento da população e a desertificação também ocupam uma grossa parcela da sua realidade.
No dia 27 de Julho de 2006, a Assembleia Geral da Comissão de Coordenação da Rede Global de Geoparques, da UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura -, aprovou por unanimidade a candidatura do Geopark Naturtejo da Meseta Meridional. Um passo de gigante para os concelhos de Idanha-a-Nova; Castelo Branco; Oleiros; Nisa e Vila Velha de Ródão, que souberam unir esforços em nome do valiosíssimo património geológico, paleontológico e geomineiro, da riqueza da sua biodiversidade, da cultura e da sua História.
Portugal tinha o seu primeiro geoparque, plenamente integrado nas redes mundial e europeia de Geoparques, que cumpriu agora a idade adulta (18 anos). Na sinergia entre a preservação deste vasto território e o seu desenvolvimento sustentado reside a verdadeira génese do Geopark Naturtejo, que neste tempo se transformou num exemplo na rede global de geoparques. Começava aqui uma longa viagem, cheia de História na bagagem, com paragem na aldeia histórica de Monsanto, que se ergue com autoridade na meseta, ostentando ainda um epíteto que vem do Estado Novo: a “aldeia mais portuguesa de Portugal”.
O Castelo templário de Monsanto - que serviu de cenário para a última temporada da Guerra dos Tronos -, construído em pedra granítica, bem como as ruínas da vila velha, estão classificados “monumento nacional”. O “inselberg“ de Monsanto, que se impõe como uma ilha montanhosa na morfologia plana da região granítica, tinha as características ideais para construir a sua defesa territorial. A escarpa de falha do rio Pônsul, que se estende por pelos concelhos de Idanha-a-Nova, Castelo Branco, Nisa e Vila Velha de Ródão, assente numa placa tectónica com mais de 300 milhões de anos, mantém ainda a sua actividade sísmica. Foi a consequência de um choque topográfico com uma extensão de 120 quilómetros.
As margens do rio Erges, afluente do Tejo, definem a linha de fronteira entre Portugal e Espanha, desde Vale Feitoso ao Rosmaninhal. Ao longo do seu curso, as paisagens são de enorme beleza, um santuário botânico onde a vegetação que parece não ter fim e onde nidificam centenas de espécies de aves. Da foz até Salvaterra do Extremo, o Erges inclui também outra parcela de paraíso natural, integrante do Parque Natural do Tejo Internacional, que na sua totalidade se estende por 24 mil hectares de território.
Em Segura, por entre um parque geológico magnífico, se encontram os vestígios do que garantiu a sua subsistência durante mais de um século, testemunho do seu valor geológico. É local de minas e de mineiros, hoje guardadores de memórias, com as mãos calejadas de vidas duras, como o granito.
Em Penha Garcia, noutro extremo, parece que a povoação está sentada num trono, no topo das cristas quartzíticas da serra que deu o nome à aldeia, onde se encontra também um paraíso de biodiversidade, que decorre precisamente dessas formações quartzíticas, onde estão conservados ecossistemas em vias de extinção. Em plena Rota dos Fósseis, a aldeia e o seu território circundante são lugares únicos, que nos explicam muito da Evolução, nas suas jazidas com fósseis e icnofósseis, que remontam a mais de 480 milhões de anos.
Penha Garcia inclui também uma área classificada como Important Bird Area, área privilegiada para a observação de aves, tal como são Toulões ou as serras quartzíticas da pré-História, que ladeiam as Portas do Ródão, um impressionante monumento natural do concelho de Vila Velha de Ródão. Só comparável à região das Portas de Almourão, entre o lugar de Sobral Fernando, em Proença-a-Nova - onde existem a antiga exploração aurífera romana e os misteriosos túneis subterrâneos, junto às margens do rio Ocreza -, ou à aldeia do Xisto da Foz do Cobrão.
Nas múltiplas rotas do Geopark Naturtejo Meseta Meridional, através dos seis municípios que formam este geoparque, entre a mina de ouro romana do Conhal do Arneiro, “imóvel de interesse público” e os blocos pedunculados de Arez, no município de Nisa, aos magníficos “meandros” no vale fluvial do rio Zêzere, a escarpa de falha do Pônsul, que se estende por Idanha-a-Nova, Castelo Branco, Nisa e Vila Velha de Ródão, da cascata das Fragas da Água D´Alta e a garganta epigénica de Malhada Velha, em Oleiros, do antigo complexo mineiro de Monforte da Beira ou as imponentes morfologias graníticas da serra da Gardunha, em Castelo Branco, ao miradouro geomorfológico das Corgas, em Proença-a-Nova. Na sua diversidade e na riqueza do seu património reside a chave deste geoparque, o mais antigo de Portugal.
Ali se encontra um verdadeiro santuário de vida natural, um dos mais importante de toda a Europa, coabitando espaço físico com o seu património natural. A região delimitada pelo Tejo Internacional, corresponde no território português a cerca de 40 quilómetros, na província da Beira Interior Sul, distrito de Castelo Branco, no sector sul, que inclui as freguesias de Malpica do Tejo e Monforte da Beira. Nas zonas orientais e meridionais, no concelho de Idanha-a-Nova, pertencem as freguesias de Rosmaninhal, Salvaterra do Extremo e Segura. Pertencendo-lhe ainda o concelho de Vila Velha de Ródão e os extremos dos rios Erges e Pônsul, bem como da ribeira de Aravil.
Devido à sua morfologia e à grande diversidade de habitats, a região do Tejo Internacional é por excelência um refúgio natural para uma enorme variedade de espécies, muitas destas protegidas, algumas raríssimas. Foram aqui identificadas 154 espécies de aves, algumas das quais raridades ornitológicas. A cegonha-preta, a cegonha branca, a águia real, a águia imperial, o grifo, o abutre do Egipto e o abutre preto, o falcão peregrino ou o bufo real, são apenas exemplos.
Das 44 espécies de mamíferos, mais de 70 por cento são espécies protegidas pela Convenção de Berna. Desde logo duas espécies em gravíssimo risco de extinção, como são o lobo e o lince. Ainda o javali ou o veado, a lontra ou o saca-rabo, o gato-bravo ou o texugo, a doninha ou a raposa, a lebre e o coelho, a geneta. A sua flora é igualmente prolífera, tendo sido inventariadas 610 espécies e 92 famílias botânicas.
Há no Tejo Internacional 153 espécies identificadas de insectos. Das dezassete espécies de anfíbios identificados em Portugal, quinze têm habitat no Tejo Internacional. Das 27 espécies de répteis no território português, vinte encontram-se aqui.
O Geopark NaturTejo da Meseta Meridional é hoje considerado um dos melhores geoparques do mundo. Em 2016, o território do Parque Natural do Tejo Internacional foi consagrado pela UNESCO como Reserva da Biosfera, que representa a certificação da sua biodiversidade. Com esta classificação da UNESCO terminava algo que nesse mesmo momento só estava a começar.
Dada a sua natureza transfronteiriça, o sucesso da candidatura foi o resultado do trabalho conjunto dos estados português e espanhol e das autarquias envolvidas neste desígnio ibérico. A enorme responsabilidade desta chancela da UNESCO está em simetria com o seu valor intrínseco e a dimensão do desafio. Determina que se estreitem mais e mais os laços estabelecidos de cooperação transfronteiriça, nem sempre fáceis, sobretudo dos municípios espanhóis e portugueses inscritos nesta viagem, em nome de uma biodiversidade comum.
Mais que tudo, a qualificação de Reserva da Biosfera é um instrumento ágil e poderoso de conservação da natureza. Distingue e valoriza a qualidade da biodiversidade de Idanha-a-Nova e todos os concelhos que abrangem o Parque Natural do Tejo Internacional como destino turístico. É como um laboratório vivo de desenvolvimento sustentável, um centro natural de ciência, pesquisa, educação ambiental e gestão de ecossistemas. A sua função primordial é a optimização ecológica da convivência do homem, sentido lato, com a natureza que o rodeia. A definição de “biosfera” é a de todos os elementos naturais que fornecem e permitem a vida na Terra.
Do lado português, o processo de candidatura ao programa científico “Homem e Biosfera” envolveu as autarquias de Idanha-a-Nova, Castelo Branco e Vila Velha de Ródão. No concelho de Idanha se circunscreve a maior extensão territorial nos limites do Tejo Internacional.
Com esta inclusão na Rede Mundial de Reservas da Biosfera, é a terceira distinção da UNESCO a Idanha-a-Nova, somando a integração do Geopark NaturTejo da Meseta Meridional na rede europeia e global de geoparques, assim como Idanha na Rede de Cidades Criativas da UNESCO, na área da Música. São realidades interligadas, como margens do mesmo rio. É essa a essência de uma Reserva da Biosfera, pois assinala não só os principais ecossistemas do planeta, mas também as bases de sustentabilidade, de preservação e conservação da biodiversidade (ecossistemas, paisagens e espécies), conciliando-as em estratégias de desenvolvimento económico sustentável, em harmonia com a actividade humana e o património natural.
Tejo ou Tajo, Tajo ou Tejo, o rio é o seu fio de prumo. As suas margens fundem-se num imenso património da Humanidade.
Este município beirão não se dá com as teorias da resignação, nem com visões derrotistas do tal “interior” condenado à sua sorte. Idanha tem um património cultural vastíssimo, mas a música é o seu coração, não fosse o adufe o símbolo deste concelho e a música uma arma de combate à desertificação.
Quando não havia na rede de Cidades Criativas uma única cidade portuguesa, a vila de Idanha-a-Nova decidiu ser de novo pioneira, apresentando formalmente a sua candidatura à rede de Cidades Criativas da UNESCO, criada em 2004, que tem cidades nos cinco continentes, consideradas pólos de criatividade em sete áreas específicas, como o artesanato e artes tradicionais, a gastronomia, o design, as artes mediáticas, a música, o cinema e a literatura. No que diz respeito a Idanha, a área não podia ser outra: Música.
“A música é uma herança cultural que nós valorizamos muito. Existia já um longo trabalho junto das populações das freguesias, das localidades, para manter viva a autoestima e as tradições. Durante mais de uma década, desenvolvemos intensamente vários projectos nas diversas áreas da música. Foi um processo de crescimento”, recorda Armindo Jacinto. A vila de Idanha tornou-se Cidade Criativa da UNESCO, na área da Música, em dezembro de 2015.
Paulo Longo, chefe de Divisão de Educação, Acção Social, Cultura, Turismo, Desporto e Tempos Livres, assim como coordenador do Centro Cultural Raiano, foi elemento-chave no trabalho desenvolvido, no processo de candidatura e no desenvolvimento de projectos enquanto cidade criativa, salienta a importância da rede da UNESCO, que promove a cooperação internacional entre cidades que partilham a criatividade como factor estratégico de desenvolvimento. No entanto, acrescenta, “isto não seria possível sem antes Idanha ter criado a sua própria rede de trabalho para o futuro, que assenta em solidez de ensino, de valorização e transmissão do património musical, do cruzamento de vários projectos, nas vertentes mais distintas. A “nossa” música tem um enorme potencial de cooperação e intercâmbio”, reforça.
A música está no ADN deste lugar raiano. Os projectos musicais que aqui encontram palco vão muito além da sua escala, muito para lá das suas fronteiras, da sua demografia. Vão dos ranchos etnográficos ao “heavy-metal”, do barroco ao beatbox, do erudito à música do mundo, da música clássica à vanguardista, da filarmónica ao trance psicadélico. A música criou neste território um ecossistema criativo e Idanha tornou-se um exemplo do que deve ser uma cidade criativa, tantas vezes assim apontado pela própria UNESCO.
Nem todas as regiões, nem todos os concelhos conseguem ostentar três classificações da UNESCO, sendo em duas pioneira: o primeiro geoparque português, a primeira cidade criativa portuguesa, e a Reserva da Biosfera. A primeira Bio-região portuguesa e a melhor bio-região da Europa fica em Idanha-a-Nova. Só mesmo os mais empedernidos tecnocratas, ou os mais teimosos, ainda acham que fica no interior.
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