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As autoridades policiais merecem mais respeito

As questões do tempo de trabalho, do trabalho suplementar e seu pagamento sempre assumiram particular importância no âmbito dos regimes de direito laboral existentes, quer na administração pública, quer no setor privado.

  • Opinião
  • Publicado: 2023-05-24 16:24
  • Por: Frederico Mateus Candeias

O tempo do trabalho assume uma particular importância no âmbito da saúde e segurança no trabalho, uma vez que o aumento da jornada de trabalho tem implicações na saúde dos profissionais e contribui para um maior desgaste emocional e físico que não pode ser descurado. Isto porque, quanto maior for a carga horária, maior é o risco de cometer erros.

No serviço que os profissionais da Polícia de Segurança Pública (PSP) prestam, há situações em que decisões importantes têm que ser tomadas em frações de segundo e há situações em que os profissionais estão sujeitos a cenários de grande tensão. Nestes cenários, o tempo de trabalho não é uma questão menos relevante ou que possa ser encarada com ânimo leve, porquanto os níveis de atenção e a resistência diminuem na direta proporção do tempo de trabalho. Assim, o tempo de trabalho e o trabalho suplementar têm implicações na saúde dos profissionais da PSP e têm consequências operacionais que têm que ser tidas em conta.

No quadro legislativo em vigor, o horário e a duração semanal de trabalho dos profissionais da PSP está consagrado no artigo 57.º do Decreto-lei n.º 243/2015 de 19 de outubro que define o Estatuto profissional do pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública. Neste artigo estipula-se que o período normal de trabalho é de 36 horas nele se incluindo ações de formação e treino.

Neste mesmo artigo consagra-se o serviço de piquete ao qual corresponde um suplemento remuneratório, regulado transitoriamente no Decreto-Lei n.º 299/2009, e a possibilidade de trabalho “suplementar” que corresponde a prestação de serviço para além do período de 36 horas e que é compensada pela atribuição de crédito horário, em termos a definir por despacho do diretor nacional.

O Despacho 49/GDN/2021 que definiu novas matrizes de horários na PSP, além de inadequadas, veio agravar a dependência dos serviços do trabalho em regime de piquete.

Ora o serviço de piquete não visa diretamente o pagamento de trabalho suplementar, mas sim compensar quem tem de permanecer ou comparecer ao serviço durante a noite, fins de semana e feriados e em situações excecionais. É uma compensação excecional, em função do desgaste inerente ao serviço de piquete e visa compensar esse mesmo desgaste e a disponibilidade para o mesmo. Se olharmos para as regras de cálculo do subsídio de piquete e a sua articulação com o subsídio de turno, percebe-se que este suplemento visa compensar quem, não estando escalado para o serviço, passa a estar por necessidade do serviço.

Os suplementos de turno e de piquete não podem por isso ser confundidos com o trabalho suplementar. Na verdade, quer os turnos quer os serviços de piquete podem ser prestados dentro do horário normal de trabalho. Em lugar algum se refere que o valor pago pelo subsídio de piquete visa pagar trabalho suplementar.

Nos termos do artigo 57.º do Estatuto da PSP, o trabalho prestado para além do horário normal de trabalho é pago por via do crédito horário previsto no n.º 3 e não por via do serviço de piquete previsto no n.º 2. Contudo, existe uma confusão entre esses conceitos e a utilização do suplemento de piquete para o pagamento de trabalho suplementar, o que tem como consequência, uma vez atingido o limite do suplemento de turno, o não pagamento do trabalho suplementar.

Por outro lado, o n.º 3 do artigo 57.º do Estatuto, que institui o crédito horário como forma de pagamento do trabalho suplementar, também não está isento de problemas, na medida em que a sua aplicação fica dependente de despacho do Diretor Nacional, o que coloca na disposição e no critério discricionário do superior hierárquico, o direito ao “pagamento” do trabalho suplementar. Acresce que nos termos do despacho em vigor, o crédito horário prescreve se a utilização do mesmo não for autorizada no prazo de 6 meses a contar do dia da prestação do trabalho. Tendo em conta a falta de recursos humanos na PSP, facilmente se percebe que estas autorizações não são dadas, o que significa a prática ilegal de trabalho não remunerado na instituição.

O trabalho suplementar, vulgarmente designado como trabalho extraordinário, é excecional, pelo que não pode constituir a regra do normal funcionamento das empresas ou dos serviços públicos. Sendo excecional, está associado à imposição de limites máximos na sua prestação com vista à proteção dos trabalhadores. Por outro lado, sendo verdade que há formas de compensação do trabalho suplementar por via de dias de descanso, a regra deve passar pelo seu pagamento e pela atribuição de descansos compensatórios. A opção consagrada no Estatuto da PSP de apenas estipular a compensação do trabalho suplementar por via da atribuição de um crédito horário, fortemente condicionado por via de despacho do Diretor Nacional, não é aceitável.

Segundo o Código do Trabalho, os trabalhadores do setor privado podem, numa média e grande empresa, realizar até 150 horas anuais de trabalho extraordinário, podendo este limite ser alargado até às 200 horas anuais por via de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, tendo sempre como limite duas horas em dia normal de trabalho. O trabalho suplementar é pago pelo valor da retribuição horária com um acréscimo de 25% na primeira hora, ou fração, e 37,5% por hora ou fração subsequente. Em dia de descanso semanal ou em feriado é pago com um acréscimo de 50%.

Na Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas, o artigo 120.º também consagra os limites idênticos para o trabalho suplementar: 150 horas anuais e as duas horas por dia normal de trabalho. Também se consagra a possibilidade de alargar para as 200 horas anuais mediante negociação com as estruturas representativas dos trabalhadores. Também na administração pública, artigo 162.º, a regra é o pagamento do trabalho suplementar com acréscimos na retribuição diária de 25% e 37,5% em dias normais de trabalho e 50% nos dias de descanso semanal ou feriados. O n.º 7 deste artigo refere que “Por acordo entre o empregador público e o trabalhador, a remuneração por trabalho suplementar pode ser substituída por descanso compensatório.”

Ou seja, tanto no setor privado como no setor público, a regra quanto ao trabalho suplementar é a existência de limites máximos e o seu pagamento valor hora com acréscimos de 25%, 37,5% ou 50% conforme a quantidade e o dia em que o trabalho suplementar é prestado. Apenas se institui, na administração pública, mediante acordo entre o trabalhador e empregador público, a possibilidade de “pagamento” por descanso compensatório.

O facto de os profissionais da PSP estarem sujeitos a um dever de disponibilidade, não significa que não existam limites à jornada de trabalho. O direito ao descanso, o direito à conciliação da atividade profissional com a vida familiar e o direito a um limite máximo de jornada de trabalho estão consagrados na Constituição. As mais elementares regras de promoção da saúde e segurança no trabalho, bem como a necessidade de, face à natureza das missões desempenhadas, os profissionais estarem física e mentalmente aptos para o desempenho das missões, obriga ao descanso.

Não é aceitável nem é legal a existência de trabalho não remunerado na PSP nem tão pouco é aceitável que não existam limites máximos de trabalho suplementar. O problema real e premente da falta de recursos humanos não pode nem deve servir para desculpa para a imposição de trabalho suplementar sem qualquer limite e não remunerado.

Naturalmente devem ser acauteladas situações excecionais. O que não é aceitável, é que na atividade normal da Instituição PSP se recorra de forma sistemática a trabalho suplementar.

 

Atualmente, a título de exemplo o salário inicial de um polícia em Portugal é de 789 euros, contra 1.309 euros para um cargo equivalente na Polônia e 1.309 euros em França.

 

"Portugal é um dos países mais seguros do mundo, mas maltrata as autoridades. As mesmas merecem mais respeito".

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