Um casamento quase perfeito: As infidelidades da nossa mente

É comum questionarmo-nos sobre a relação entre verdade e realidade, conceitos que, em teoria, deveriam ser aceites e partilhados por todos.

  • Opinião
  • Publicado: 2023-04-27 18:58
  • Por: Antero Carvalho

A razão por trás das diferentes interpretações humanas dessas questões é um tema intrigante. Embora cada indivíduo possa ter uma visão única do mundo e da natureza das coisas, é necessário haver um conjunto de crenças e estados que sejam compreendidos e aceites por todos, para que possamos afirmar se fazem parte ou não de uma realidade comum.

Neste contexto, realidade refere-se ao que existe fora da mente individual, enquanto verdade deriva das interpretações feitas por cada pessoa do que é percebido como real, bem como das variações dessas interpretações. No entanto, muitas vezes confundimos realidade com verdade, fundindo as nossas perspetivas individuais (verdade) com o que é comum a todos (realidade). Este fenómeno é a raiz das divergências humanas.

A mente humana tem formas peculiares de funcionar e nem sempre nos é fiel. Em diversas situações, a mente precisa de criar alternativas à realidade ou até mesmo mentir à consciência para manter o equilíbrio necessário ao seu funcionamento. Um dos grandes desafios da mente é manter a coerência entre o que percebemos da realidade e o que de facto é real. Por vezes, para nos proteger, a mente distorce a realidade e apresenta-nos apenas uma versão que seja conciliável com a nossa consciência.

Ao longo da vida, a nossa mente trabalha constantemente para manter uma visão coerente do mundo. No entanto, existem situações em que a mente precisa distorcer a realidade para proteger a nossa consciência. Essas "infidelidades" da mente, como eu as chamo, podem ser ilustradas através das chamadas ilusões de ótica.

Um exemplo deste mecanismo, das "ilusões de ótica", acontece sempre que a mente precisa usar um "filtro" para tornar coerente algo que, sem ele, seria impossível conciliar pela nossa consciência. O vídeo apresentado no link deste artigo ilustra este conceito (https://sway.office.com/WkCj7dEpRRlXVCgP?ref=Link), mostrando duas imagens, da esquerda e direita, que giram em sentidos opostos. Quando adicionamos uma terceira imagem no meio, a mente é obrigada a criar uma realidade consciencializável para resolver a incompatibilidade funcional, mentindo. 

Nota: Para fazer a experiência, tape a imagem do meio: repare para onde giram as duas imagens, agora destape a imagem do meio.

A nossa mente, como mecanismo de proteção, cria uma "mentira" que nos permite manter a estabilidade entre o que é real e o que a nossa consciência percebe dessa realidade. A maioria das pessoas partilha destas "mentiras", o que permite criar uma realidade comum. No entanto, há quem consiga lidar com esses mecanismos de distorção e alcançar uma compreensão mais profunda da realidade.

É importante salientar que este artigo não pretende ser um tratado sobre a consciência ou a mente, nem sobre as ciências que as estudam. O objetivo é levantar a questão de que a nossa mente nem sempre é fiel à realidade e, por vezes, cria alternativas para manter o equilíbrio necessário, unicamente com o objetivo de levar-nos a questionar o quanto da nossa perceção é verdadeira e o quanto é uma interpretação distorcida da nossa mente.

O casamento entre verdade e realidade é quase perfeito, mas as infidelidades da nossa mente acabam por interferir nessa relação e a mente, muitas vezes infiel, é responsável por essa imperfeição. A compreensão dos mecanismos pelos quais a mente trabalha para conciliar realidade e verdade pode ajudar-nos a entender melhor as divergências humanas e a nossa própria perceção do mundo, contribuindo para uma visão mais clara e verdadeira da realidade que nos rodeia. 

Ao fazermos um esforço, no sentido de nos tornarmos mais cientes destes mecanismos, adquirimos além de uma visão mais clara sobre o mundo, os outros e nós, um maior sentido de humildade e tolerância, que serão sempre proporcionais à consciência que temos deste fenómeno e o quanto o dominamos.

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