Eugénio de Andrade: “A melodia de Eros” por Gonçalo Salvado

Como estranhar-se que, entre nós a melodia do homem seja a melodia de Eros? Que poeta português pode negar-lhe a face sem negar ao mesmo tempo o coração? À melodia exasperada e expectante, cálida e apaziguadora de Eros, a esse canto que da fundura do ser remonta às vertentes da morte, deve a minha poesia quase sempre o impulso inicial.

Eugénio de Andrade, “Da palavra ao silêncio”, Rosto Precário, 1979

  • Cultura
  • Publicado: 2022-01-22 08:28
  • Por: Gonçalo Salvado

Enleado na melodia, ora exasperada, ora apaziguadora de Eros, revolucionou Eugénio de Andrade a poesia portuguesa, criando um novo e inconfundível dizer amoroso, perfeita cristalização e irradiação do seu génio. É preciso afirmá-lo, sem rodeios e exagero:  se a poesia amorosa portuguesa teve no séc. XX intérpretes de relevo, apenas em Eugénio de Andrade encontrou a sua expressão mais luminosa e pura, atingindo, na sua escrita, o seu zénite.

Nenhum poeta é mais intenso quanto o foi Eugénio de Andrade ao revelar-nos os sortilégios do amor e do desejo e como estes inevitavelmente nos incendeiam pois quando “tudo é amor, tudo é ardor”. Por outras palavras:  tudo parece deflagrar. A sua poesia é, como nenhuma outra na nossa contemporaneidade, um espelho desse maravilhoso incêndio causado pela passagem de Eros em nossas vidas redimindo-as da precariedade.  E ainda que seja o ar o elemento de eleição de Eugénio de Andrade como, aliás, nos confidenciou, a sua poesia rescende camoneanamente, a fogo, em cada verso. Todo o seu fazer poético, toda a sua Arte de Amar, que tentei nesta antologia sinteticamente sugerir e plasmar pode reduzir-se a uma só asserção: “É preciso arder”. Das folhas à raiz. Porque o corpo o sabe. E o exige a alma numa infinda sede e demanda – sempre insaciada – sempre cega – de completude. E de plenitude. Só quando os corpos se entre apetecem e anseiam fundir-se, anunciam na terra o esplendor do paraíso, desacreditando a morte.

Ao tocarmos, ainda que furtivamente, a pele do ser amado, a felicidade logo se presentifica e se nos revela como possível, negando o trágico que enforma a própria condição humana, sempre ameaçada pelo vazio, pelo aniquilamento e pelo apagamento do ser.  A união amorosa tem, pois, a meu ver, nesta poesia, um sentido eminentemente humano, exaltada e celebrada até à exaustão, na medida em que é ela que entroniza a vida, lhe outorga o seu destino solar, a transfigura e a consagra em festa.  

É para a vivência dessa festa que continuamente apelam os versos de Eugénio de Andrade. Saibamos lê-los e amá-los. E erguendo a taça brindemos à sua perpetuidade.       

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