Castelo Branco: Jornal Público denuncia negócio suspeito de Ex-Autarca e esposa Deputada

Ex-autarca e deputada lucraram 525% com terreno para subestação.

Compraram por 9975 euros em 2004 e venderam no ano seguinte por 62.350. O terreno em causa estava sinalizado para construção de uma subestação da REN.

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  • Publicado: 2020-11-18 00:00
  • Por: Diário Digital Castelo Branco

O jornalista do jornal Público, José António Cerejo, afirma que o Ex-Autarca e esposa Deputada são pessoas sortudas ao escrever "Sorte. Muita sorte é o que parece terem tido Luís Correia, então vereador da Câmara de Castelo Branco, e a sua mulher, Hortense Martins, que no ano seguinte seria eleita deputada à Assembleia da República. Estávamos em Julho de 2004, quando o casal fechou um negócio com um empresário ligado à publicidade e organização de eventos, habitual fornecedor da autarquia local, para partilhar a propriedade de um terreno que ele adquirira três anos antes por seis mil contos (30 mil euros). Sem ganhar um cêntimo, Gonçalo Torres cedeu aos seus parceiros uma terça parte da parcela indivisa, recebendo 9975 euros (equivalente a dois mil contos). No ano seguinte, os três venderam o mesmo terreno por 187.049 euros, mais de seis vezes mais do que ele havia custado em 2001. Luís Correia e a mulher ficaram com 62.350 euros, arrecadando uma mais-valia de 52.375 (525%) em onze meses e meio. Gonçalo Torres ficou com o restante, ganhando 104.699 euros (523%). Para se tentar perceber a súbita valorização dos 20 hectares de mato e algumas oliveiras a meia dúzia de quilómetros de Castelo Branco, junto à estrada que liga a cidade à aldeia de Taberna Seca, importa dizer que para aquela zona da freguesia de Benquerenças estava prevista há vários anos a construção de uma subestação eléctrica da então empresa pública Rede Eléctrica Nacional (REN). Em 2003, o estudo de condicionantes e localização da infra-estrutura, realizado pela REN, já apontava para um espaço concreto, situado em frente à propriedade comprada em 2001 por Gonçalo Torres, do outro lado da EN233. A definição desse local havia sido feita em articulação com a Câmara de Castelo Branco, atendendo às suas competências em matéria de planeamento e ordenamento do território. No decurso do trabalho então efectuado, lê-se no estudo de impacte ambiental da subestação, realizado em Março de 2005 por uma empresa alheia à REN, nunca a autarquia sinalizou qualquer projecto que pudesse ser incompatível com a construção da infra-estrutura eléctrica naquele local. Nem os planos em vigor previam para aí qualquer ocupação turística. Todavia, segundo o proprietário do terreno escolhido (entretanto falecido), a mesma autarquia já em 1998 havia respondido favoravelmente a um seu pedido de informação sobre a viabilidade de ali construir um empreendimento turístico e um campo de golfe. E foi por ter essa intenção — nunca concretizada — que apresentou uma reclamação à REN, em Setembro de 2004, menos de dois meses depois do negócio entre o casal Correia e Gonçalo Torres. No documento, sugeriu que a subestação fosse construída não no seu terreno, mas num outro local apontado como alternativa pelo estudo de localização, junto à zona industrial de Castelo Branco.

 

REN dita a sorte dos três

Foi quanto bastou — explicam, denotando surpresa, os autores do estudo de impacte ambiental. Não para que a REN optasse pela alternativa apontada pelo estudo de localização, mas para que ela escolhesse ainda em 2004 e sem qualquer diligência adicional uma “nova alternativa” situada em frente à primeira: precisamente na propriedade parcialmente comprada por Luís Correia e Hortense Martins meses antes. A história poderia ficar por aqui, com a sorte a cair no regaço dos proprietários e o negócio a fechar-se entre estes e a REN. Mas não foi isso que sucedeu. Por mais estranho que pareça, meses depois de a REN — então presidida pelo ex-secretário de Estado socialista José Penedos — ter escolhido esse terreno, entrou em cena um novo protagonista. Em Julho de 2005, uma empresa privada ligada ao sector da energia, a Generg, antecipou-se e comprou os 20 hectares do vereador, da mulher e do sócio por 187.049 euros, cabendo 62.350 aos dois primeiros. Em representação da empresa, quem assinou a escritura foi o advogado João Marcelo, já falecido, o mesmo que no ano anterior representou Gonçalo Torres na venda que este fez a Luís Correia e Hortense Martins. O escritório de João Marcelo representa há muito e ainda hoje estes últimos e empresas a que estão ligados. Não podendo os três sócios deixar de saber que a REN já tinha decidido, da forma que se descreveu, construir a subestação na propriedade por eles adquirida, fica por esclarecer o que os levou a vender à Generg em vez negociarem com a REN. Quanto à Generg, tudo apontava para que tivesse em vista a obtenção de uma importante mais-valia numa posterior venda à REN. Se era essa a intenção, a expectativa gorou-se, uma vez que no ano seguinte, em Junho de 2006, lhe vendeu o terreno exactamente pelo preço que o comprou. Questionada pelo PÚBLICO sobre a racionalidade desta operação, a administração da Generg, que tem como chairman o antigo secretário de Estado Carlos Pimenta (PSD), respondeu que, “a confirmar-se a veracidade dos factos” referidos, não consegue “compreender que conclusões com valor jornalístico se possam retirar dos mesmos”. Do lado da REN, actualmente privada, não houve qualquer explicação para a súbita mudança do local da subestação. E a pergunta feita sobre a identidade do seu interlocutor no executivo da Câmara de Castelo Branco (no processo de escolha do local da obra) ficou sem resposta. “O terreno foi adquirido a uma empresa, seguindo o processo normal de aquisição seguido pela REN à época”, adiantou, sublinhando: “Em 2004 e 2005, a REN era ainda uma empresa totalmente pública.” Expropriação na gaveta Para tornar mais labiríntica a história, o Diário da República de 24 de Maio de 2006 (II Série) publicou um despacho do Ministério da Economia no qual, a pedido da administração da REN, declarou a utilidade pública da expropriação urgente das duas parcelas, num total de 115.225 m2, de que a empresa precisava para a subestação de Castelo Branco. Uma delas, com 75.790 m2, especifica o despacho, pertencia à Generg e fazia parte da propriedade por esta adquirida no ano anterior. Acontece que, três semanas antes, a mesma administração presidida por Penedos aprovara a compra à Generg não desses 75.790 m2, mas de toda a propriedade (206.920 m2), pelo valor de 187.049 euros — o que a Generg havia pago aos três sócios. O imposto (IMT) devido foi pago a 23 de Maio e a escritura foi celebrada a 5 de Junho, 12 dias após a publicação do despacho que autorizava a expropriação da área necessária para a subestação — menos de metade da que foi comprada. As explicações de Correia Contactado pelo PÚBLICO, Luís Correia afirmou que “em 2000/2001” adquiriu “por acordo verbal” e pagou a Gonçalo Torres um terço do terreno “com vista a estudar a possibilidade de desanexação da propriedade para concretização de um projecto pessoal”. A formalização do negócio ocorreu “por meio de escritura realizada em 2004”. O ex-autarca garante que, “aquando do acordo de compra, bem como da realização da escritura, desconhecia o interesse da REN ou de qualquer outra entidade” no terreno. Conta ainda que foi “contactado pela Generg em 2005” e que decidiu vender, porque “o projecto que tinha em mente para aquele local ainda era muito embrionário” e a sua vida “tinha-se alterado”. Questionado sobre se tinha tido algum contacto com a REN, enquanto vereador, no âmbito da escolha do local da subestação, respondeu: “Que me recorde não.” Tal como a deputada Hortense Martins já havia feito, Luís Correia enfatizou que “todo este negócio” foi tratado por si. À data dos factos, Gonçalo Torres — que o PÚBLICO não conseguiu contactar — possuía uma empresa, a Publicastelo, que já tinha a Câmara de Castelo Branco entre os seus principais clientes. Ainda hoje com dívidas ao fisco entre 10 mil e 50 mil euros, segundo a lista de devedores da Autoridade Tributária, a empresa cessou a actividade em 2014. No entanto, em Novembro de 2013, um mês depois de Luís Correia ser eleito presidente da câmara — função de que foi destituído judicialmente em Julho deste ano por celebrar em nome do município vários contratos com o próprio pai —, Gonçalo Torres ligou-se a uma nova sociedade então criada, a VTE Eventos, que de imediato encontrou no município o seu principal cliente.

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