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Idanha-a-Nova: Município sensibilizado com a perda de Adolf Seilacher

O geólogo alemão Adolf Seilacher, falecido no passado dia 26 de abril, aos 89 anos, é justamente reconhecido como um dos nomes maiores da ciência contemporânea.

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  • Publicado: 2014-05-19 09:36
  • Por: Diario Digital Castelo Branco

O geólogo alemão Adolf Seilacher, falecido no passado dia 26 de abril, aos 89 anos, é justamente reconhecido como um dos nomes maiores da ciência contemporânea.

A sua obra gerou novos contributos para o conhecimento da evolução da vida e divulgou a Paleontologia como uma das mais importantes ferramentas para a sua investigação.

Idanha-a-Nova e o país muito lhe devem. Os seus saberes profundos fizeram com que revolucionasse várias áreas da Paleontologia e foram decisivos no estudo e valorização do património geológico português.

O Município de Idanha-a-Nova fica-lhe especialmente reconhecido pelo seu trabalho na inventariação e promoção do património deste concelho.

Através da sua obra científica e de valorização patrimonial, o Professor Adolf Seilacher deixa um legado fundamental em Idanha-a-Nova. Contribuiu para a internacionalização do Parque Icnológico de Penha Garcia e foi decisivo na candidatura do Geopark Naturtejo da Meseta Meridional à rede da UNESCO.

A todos os que com ele tiveram a honra de colaborar, resta-nos a determinação em valorizar o seu legado e em aproveitar da melhor maneira tudo o que nos ensinou.

 

Adolf Seilacher (24 de Fevereiro de 1925 – 26 de Abril de 2014)

Dolf Seilacher (que era assim que preferia que os amigos o tratassem) nasceu há 89 anos em Stuttgart, no Sul da Alemanha. Espírito curioso de uma energia avassaladora que conservou até aos seus últimos dias, cedo se dedicou à Paleontologia, tendo publicado o primeiro artigo científico aos 18 anos de idade. A sua juventude foi tão conturbada quanto os tempos de guerra que presenciou, tendo sobrevivido à escolástica hipnótica de Hitler e à queda do império em Berlim. Nos tempos de colapso económico pós-guerra, Dolf Seilacher subsistiu e pagou os seus estudos universitários em Tübingen colhendo cogumelos nos bosques. Graças às dificuldades, a Alemanha ganhou um micologista reputado!

 

Em 1951, o geólogo Dolf Seilacher termina a sua tese de doutoramento em icnofósseis sob a orientação do Prof. Schindewolf e, com as suas ideias inovadoras, em parte assentes nas descrições do pioneiro da Paleontologia portuguesa, Joaquim Filipe Nery Delgado, torna-se o pai da Icnologia moderna. No ano seguinte, parte para a Índia naquela que seria a primeira de centenas de viagens de investigação que promoveu até ao final da sua carreira e da sua vida. Os seus conhecimentos profundos de Biologia e Geologia fizeram com que revolucionasse outras áreas da Paleontologia, como a Morfologia Funcional (paixão que lhe consumia horas era a morfodinâmica do exosqueleto e a auto-organização), a Ecologia Evolutiva (ao nível da divulgação científica, quem já não ouviu falar dos Vendobionta do final do Precâmbrico?) ou a Tafonomia (os Fossil Lagerstätten), e a Sedimentologia, através do estudo dos efeitos ecológicos de eventos sedimentares, tendo publicado centenas de artigos nas mais importantes revistas científicas. No mesmo ano (1951) torna-se professor da Universidade de Tübingen, à qual ficou ligado até 1990 e que veio a celebrizar até aos dias de hoje. Desde 1987 que o Prof. Seilacher dava aulas no curso de Geologia da Universidade de Yale, nos E.U.A., retirando muito prazer da discussão com jovens mentes brilhantes.

 

A partir de 1960, o Prof. Seilacher viaja pelo mundo como professor convidado, dando aulas de Paleontologia e Zoologia em reputadas universidades de todos os continentes. De Portugal, conhece os afloramentos de Barrancos ainda na década de 60 e Penha Garcia, que passou a admirar quando aqui desenvolveu estudos a partir de 2000 com o signatário deste texto. Quem não esquece é o paleontólogo português do séc. XIX, Joaquim Nery Delgado, e a sua obra, que influenciou decisivamente Seilacher. Com uma carreira académica de 71 anos(!), Dolf Seilacher acumulou diversos cargos e funções, desde director do Departamento e da Faculdade em Tübingen e presidente das mais prestigiadas associações paleontológicas, a curador de museus e a editor das principais revistas paleontológicas e geológicas da Alemanha, como a reconhecida Lecture Notes in Earth Sciences, de que era co-editor desde 1985. A sua temática de investigação é abrangente e a sua área de trabalho engloba mais de 26 países espalhados por todos os continentes! Em 2003, esta área é estendida aos fundos abissais da Dorsal Medio-Atlântica, com a realização de um mergulho no âmbito do documentário Volcanoes of the Deep-sea!, uma poética homenagem ao seu contributo para o conhecimento da Evolução da Vida nos oceanos. Este é um dos muitos prémios e condecorações atribuídas a Dolf Seilacher. Em Portugal, este documentário que correu mundo nas salas Imax, teve apresentação única no Centro Cultural Raiano em Maio de 2005, onde o Professor discursou para uma sala cheia, naquele que porventura foi um dos momentos mais significativos e prestigiantes de toda a história deste espaço cultural do concelho de Idanha-a-Nova.

 

A exposição Arte Fóssil, idealizada por Dolf e magistralmente executada pelo curador Hans Luginsland, ilustra 50 anos das mais significativas descobertas realizadas por todo o mundo e que levaram à atribuição, em 1992, do prémio Crafoord pela Real Academia das Ciências da Suécia (que abrange áreas do conhecimento mundial não contempladas pelo Prémio Nobel). Com o galardão máximo em ciências (e com o dinheiro ganho), Dolf Seilacher realizou viagens científicas por todo o mundo, desde os desertos da Namíbia e da Austrália às costas da Terra Nova e do Japão, gerando novos contributos para o conhecimento da Evolução da Vida e divulgando a Paleontologia, através da exposição Arte Fóssil, como uma das mais importantes ferramentas para o seu conhecimento. Foi desta forma que esteve pela primeira vez no Sítio Paleontológico de Penha Garcia, no verão de 2000, tendo regressado por uma segunda vez em 2005

 

A exposição internacional Arte Fóssil integra mais de 50 moldes de fósseis, icnofósseis (incluindo icnofósseis de Penha Garcia), fenómenos geológicos e gravuras rupestres, provenientes de todos os continentes e representando mais de 3000 milhões de anos de evolução do comportamento biológico. A Arte Fóssil conta com quase 20 anos de existência, tendo sido exibida anteriormente em museus célebres de todo o mundo, nomeadamente no Tübingen Geological Museum e nos museus de Colónia e Karlsruhe (Alemanha), Royal Tyrrell Museum of Paleontology e no Royal Ontário Museum (Canadá), Utah Museum of Natural History (Salt Lake City, E.U.A.), Schiele Museum of Natural History (North Carolina, E.U.A.), Peabody Museum of Natural History na Yale University (Connecticut, E.U.A.), National Museum of Tokyo (Japão), Museu de Ciências e Tecnologia (Porto Alegre) e Estação Ciência (São Paulo), no Brasil, Centro Cultural Raiano (Idanha-a-Nova), Museu Nacional de História Nacional, em Portugal, entre muitos outros museus e instituições por onde passou mais recentemente. Resultado último das decisivas contribuições do professor Adolf Seilacher sobre o modo como a vida transformou a paisagem dos fundos oceânicos, a Arte Fóssil é uma exibição provocadora e actual, que integra a ciência, a arte e a divulgação num mutualismo que se pretende desenvolver. Um novo apelo à descoberta da ciência e à capacidade de nos interrogarmos sobre as nossas origens e os enigmas da Natureza.

 

O Município de Idanha-a-Nova, por ocasião da candidatura do território do actual Geopark Naturtejo da Meseta Meridional à Rede Global de Geoparques da UNESCO, teve a visão de trazer a exposição Arte Fóssil de regresso à Europa e para Portugal, onde esteve por um ano (2005), primeiro no Centro Cultural Raiano, onde foi visitada por mais de 4000 pessoas ao longo dos poucos meses em que esteve em Idanha-a-Nova, e depois patrocinando a sua passagem pelo Museu Nacional de História Natural em Lisboa, onde no verão de 2005 terá sido visitada por mais de 15000 pessoas, dando visibilidade do projecto pioneiro em Portugal de desenvolvimento de um Geoparque.

O Professor Seilacher deixa um legado fundamental em Idanha-a-Nova. Para além das duas edições em português do seu catálogo Arte Fóssil editados pela Câmara Municipal de Idanha-a-Nova em colaboração com o Museu Nacional de História Natural, o Professor contribuiu para internacionalização do Parque Icnológico de Penha Garcia com a publicação do seu mais consagrado livro Trace Fossil Analysis, em 2007. Ele também contribuiu decisivamente para a candidatura do geoparque à rede da UNESCO com o artigo Penha Garcia – World Heritage/Património Mundial. Estes e outros trabalhos de sua lavra foram publicados nas obras Geoturismo e Desenvolvimento Local/Geotourism and Local Development e Cruziana’05 – Da Descoberta ao Reconhecimento, com edição pelo Município de Idanha-a-Nova em 2009 e 2005, respectivamente.

 

Por estas razões e pelos trabalhos científicos e de valorização patrimonial que foram e estão a ser desenvolvidos no âmbito do Geopark Naturtejo, a Comunidade Científica Internacional decidiu que o próximo Congresso Internacional de Icnologia, o maior evento nesta área científica da Paleontologia, será realizado em 2016 em Idanha-a-Nova, uma oportunidade para celebrar a herança de Dolf Seilacher e de prestar tributo a este cientista internacional e a Jordi de Gibert, paleontólogo ibérico de renome internacional também desaparecido. Esta é também a oportunidade de avançar com os trabalhos de valorização museológica, de forma consistente e que dignifique não só a região mas o país, de um dos patrimónios hoje mais reconhecidos internacionalmente em Idanha pela comunidade científica – o Parque Icnológico de Penha Garcia, visitado anualmente por 14000 pessoas, mas que requere uma estrutura museológica que mostre toda a relevância científica e cultural do magnífico vale do Ponsul, nesta localidade.

 

Não se pode terminar esta homenagem ao Professor Dolf Seilacher sem falar da sua musa de há 57 anos: Edith Drexler. Esta micropaleontóloga cedo abandonou os seus ostracodos para acompanhar Dolf Seilacher nas suas aventuras e descobertas pelo mundo. Edith é a face não menos reconhecida dos trabalhos de Seilacher, é ela a responsável por manter o investigador no campo, junto dos seus (icno)fósseis e longe dos computadores, de que se dizia orgulhosamente „virgem“! Sem dúvida, uma relação simbiótica de sucesso, que agora se vê perturbada pelo desaparecimento de Dolf Seilacher. Os nossos pensamentos e afectos estão hoje com esta amiga da região, Edith.

 

Muitos breves são estas linhas para descrever a vida e obra de um dos grandes génios da Ciência contemporânea. Era impressionante ver este senhor na sua bonita idade, em trabalho de campo, desde manhã cedo ao cair do dia, discutindo entusiástica e alegremente sobre um pormenor que escapa a todos, partilhando ideias com o colega mais genial ou com o aluno mais principiante. Era impressionante acompanhar este senhor num congresso, sempre atento às novas descobertas e pronto a intervir a cada comunicação com a sua pertinência contagiante. Assim era Dolf Seilacher e a sua querida relação com as Ciências Geológicas e Biológicas: uma vida inteira dedicada à investigação e divulgação científicas, um olhar apaixonado para o seu objecto de estudo que nos revela hoje, de forma actual, mais de 3000 milhões de anos de histórias da Natureza, através dos indícios deixados pelos seus protagonistas.

 

Carlos Neto de Carvalho

 

 

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