Uma “teia de figurações” onde se representa “ainda e sempre, a imensa tristeza e a imensa alegria de ser português”, é como o Teatro Nacional S. João define “talvez... Monsanto”, espetáculo que estreou esta 5ªfeira, dia 3 de Dezembro, neste palco, da cidade do Porto.
“Mais do que um concerto”, o espetáculo do encenador Ricardo Pais “propõe-nos uma coreografia de sinais, gestos, imagens e sons” no qual "todos os intérpretes alimentam a ilusão de que são personagens de um drama”, acrescenta a sinopse do espetáculo, que põe em cena a atriz Luísa Cruz, o fadista Miguel Xavier, adufeiras de Monsanto, o percussionista Rui Silva e o compositor e guitarrista Miguel Amaral.
Com música tradicional portuguesa e poemas de Ruy Belo (1933-1978), “talvez... Monsanto” nasceu de uma expedição que Ricardo Pais, o percussionista Rui Silva e o compositor e guitarrista Miguel Amaral, responsável pela direção musical do espetáculo, fizeram a esta localidade beirã que, em 1938, recebeu o título de "aldeia mais portuguesa de Portugal" e, em 1995, o de "aldeia histórica".
A “peculariedade da fala, a pronúncia fantástica” e a “tanta humildade das pessoas”, da que foi também a “aldeia mais pobre de Portugal”, "pelo que a própria atriz Luísa Cruz", que também interpreta, "presenciou", foram alguns dos encantos encontrados pelo encenador na expedição a esta aldeia do concelho de Idanha-a-Nova, acrescenta a entrevista divulgada na página do S. João, na Internet.
Uma localidade “com uma carga mística particular”, que está “rodeada de uma série de coisas importantes”, como a “passagem de Viriato, dos Templários e que se mantém fielmente religiosoa”, sublinha o encenador na entrevista. “Estamos a falar de 81 pessoas em Monsanto, é bom que se diga isto”, frisa, invocado ainda o facto de a fundação da localidade datar de há séculos.
“talvez... Monsanto” não é, contudo, um espetáculo sobre a localidade. “O que nos leva a Monsanto é a música que se faz em Monsanto”, frisa Ricardo Pais, acrescentando que o espetáculo faz “coabitar géneros musicais”. “E não fusões, que isso abomino”.
Pensado na “herança de José Afonso”, de quem “ouviu as primeiras baladas e as primeiras letras da Beira Baixa”, e, simultaneamente, na de Amália, “essa, sim, vinda da Beira Baixa”, o criador diz ter concebido um espetáculo que evidencia “a qualquer coisa” que sempre sentiu “nas letras, nas músicas e, muito particularmente, nas feições rítmicas, e nos intervalos das adufeiras”.
Porque na forma como as adufeiras usam as “palavras, as frases que cantam e o texto, que por vezes não se percebe”, há “qualquer coisa de raso, de simples”, que tem semelhanças com a infância rural que viveu em Maceira (concelho de Leiria), onde nasceu.
Admitindo que queria muito fazer uma coisa sobre Ruy Belo, depois de ter relido a obra do poeta e ensaísta, nascido no concelho de Rio Maior, Ricardo Pais afirma ter percebido que tudo no escritor "se passava ao pé do mar", inclusive “as ventanias, que são muito ventanias de beira-mar”.
Ao ter de tirar "mais ou menos as referências ao mar e escolher aquilo tudo que passava ao lado", Ricardo Pais guardou, essencialmente, "aquilo com que todos nos identificamos": "As adufeiras, então, ficaram maravilhadas quando ouviram o 'quero só isso nem isso quero'", parte de um poema de Ruy Belo, que é dito no espetáculo, verso musical, com ritmo de canto, e "que descreve a infância na aldeia tal qual" a viveu.
Questionado sobre o porquê da palavra "talvez" no título, Ricardo Pais, que insistiu para que fosse grafada em minúsculas, afirma dar-lhe o mesmo significado que o dramaturgo Samuel Beckett lhe atribui, quando o questionaram sobre qual era a palavra chave das suas peças e ele respondeu “talvez”.
“Porque a palavra mais importante é o talvez, porque é sempre na ambiguidade que se joga o silêncio e a palavra, e como se relativizam um ou outro”, sublinhou o encenador.
Talvez é “como se fosse uma frase no fim de um enunciado de hipóteses", prosseguiu. "Pode ser isto, pode ser aquilo, pode ser aqueloutro”, conclui, a propósito do espetáculo que pega em matérias ancestrais, reconfigurado-as por músicas e linguagens de cena mais urbanas, como o fado e o vídeo.
“talvez… Monsanto” constrói-se como um ritual, em que se sai e entra da palavra dita ou cantada, da música e, sobretudo, dos ritmos e percussões, conclui a sinopse do TNSJ sobre a peça.
Com cenografia de João Mendes Ribeiro, figurinos de Bernardo Monteiro, vídeo de Luís Porto, desenho de luz de Nuno Meira e Berto Pinheiro, e desenho de som de Joel Azevedo, “talvez… Monsanto” tem interpretação de Miguel Amaral (guitarra portuguesa), Miguel Xavier (voz), Rui Silva (percussão), André Teixeira (guitarra) e Filipe Teixeira (contrabaixo).
Em palco estão também as adufeiras de Monsanto Amélia Mendonça, Laura Pedro, Adosinda Xavier e Inês França, e os atores Simão do Vale Africano e Pedro Manana. Como bailarino, em vídeo, está Deeogo Oliveira.
O espetáculo repete esta sexta-feira, dia 4 de Dezembro, às 19:00 horas e, no sábado, dia 5, às 11:00.
O espetáculo integra-se nas comemorações do centenário do S. João, que preveem produções de três diretores artíticos do teatro: Nuno Cardoso, que assumiu o cargo em 2019, sucedendo a Nuno Carinhas, que desempenhou as funções de 2009 a 2018, e Ricardo Pais, responsável pela afirmação desta sala, como Teatro Nacional, do final de 1995 a 2009.
Subscreva à nossa Newsletter
Mantenha-se atualizado!
© - Diário Digital Castelo Branco. Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por: Albinet